Por Dr. Gustavo Teixeira*
Artigo publicado na Revista Oficial do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
O abuso ou violência sexual na infância e adolescência pode ser definido como a situação em que o jovem é utilizado para a satisfação sexual de um adulto, incluindo não apenas o ato sexual, mas também carícias, manipulação de genitália, mama ou ânus.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a violência sexual em crianças de até 9 anos de idade representa 35% do total de notificações, ficando pouco atrás das notificações por negligência e abandono. Entretanto, é possível que os índices de violência sexual sejam ainda maiores, devido a uma série de fatores que dificultam a identificação de casos.
Para a Organização Mundial de Saúde, a violência sexual contra menores de idade é considerada um dos maiores problemas de saúde pública e diversos estudos epidemiológicos internacionais sugerem que 7-36% das meninas e 3-29% dos meninos já sofreram algum tipo de abuso sexual.
Outro dado epidemiológico relevante é o caráter universal dessa violência, pois está presente tanto em sociedades de países desenvolvidos, quanto em países do terceiro mundo. O abuso sexual atinge todas as classes sociais, etnias, culturas e religiões.
De uma forma geral podemos descrever o perfil desse complicado mecanismo de violência que traz conseqüências psicológicas devastadoras por toda a vida da vítima. Normalmente os atos são praticados por pessoas próximas da criança ou adolescente, como pais, tios, avôs, primos, ou pessoas próximas como vizinhos ou amigos da família.
Uma característica sádica e perversa do abuso sexual infantil é a capacidade de manipulação do autor que utiliza da sua relação de confiança e de poder (quando responsável pelo menor, no caso de familiares) para se aproximar e praticar o ato, inicialmente de forma sutil para que a vítima não identifique como agressão e entenda como uma demonstração de afeto.
No decorrer do tempo, a repetição das carícias torna-se mais freqüentes, mais abusivas e quando a criança começa a entender aquilo como algo errado, o agressor tenta inverter os papeis e manipulá-la, induzindo-a a acreditar que a mesma é culpada pela aproximação do abusador e pelos acontecimentos.
Desta forma, mesmo a vítima reconhecendo a violência, ela é amedrontada, humilhada, coagida e ameaçada pelo agressor que utiliza de seu poder de manipulação e também de violência física para sustentar o abuso por muitos anos, sem que uma denúncia ocorra. Assim, a vítima se sente desprotegida, com vergonha e insegura para pedir ajuda. Esses são alguns dos motivos do porque de muitas crianças e adolescentes se calarem perante o abuso.
Outro fator colaborador da manutenção desse abuso é o adoecimento de todo o núcleo familiar. Não é incomum encontrar famílias em que um “muro de silêncio” se instala e a própria mãe, por exemplo, se posiciona contra a filha, considerando-a sedutora e culpada pelo abuso realizado pelo seu pai ou padrasto.
Sinais de alerta
Devemos estar atentos à alguns sinais físicos que podem estar relacionados à violência sexual na infância e adolescência como:
- Lesões, edemas, hematomas em região genital, mamas, pescoço, parte interna e superior da coxa
- Sangramento anal e vaginal em crianças pré-puberes
- Identificação de doenças sexualmente transmissíveis, como AIDS, sífilis, HPV, gonorréia, clamídia, entre outras.
- Gravidez e abortos.
Mas como o profissional de saúde deve se posicionar na suspeita de abuso sexual?
Inicialmente devemos acolher a criança ou adolescente e tentar realizar um bom rapport, trata-se da relação médico-paciente da forma mais humanizada possível. Na suspeita da violência sexual e psicológica fica fácil compreender a necessidade da formação de um vínculo mínimo de confiança para que o paciente consiga verbalizar o que está ocorrendo dentro de casa e o que está sentindo.
Os danos psicológicos provocados pelo abuso sexual na infância e adolescência são enormes e está diretamente relacionada com o desencadeamento de transtornos comportamentais graves como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, fobia social, transtorno de estresse pós-traumático, Distúrbio reativo de vinculação da infância, além do aumento do risco de suicídio.
A complexidade e alta prevalência dessa violência em nosso meio exigem que o profissional médico esteja sempre atento e se atualizando continuamente para suspeitar e diagnosticar os casos de abuso sexual na infância e adolescência. Proteger nossas crianças e adolescentes não é apenas um ato médico, mais do que um dever ético e moral, é também um nobre ofício de cidadania.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAPIA. Abuso Sexual: Guia para orientação para profissionais as saúde. Rio de Janeiro: Autores e agentes associados; 1997.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4. ed., Washington, D.C.; American Psychiatric Association, 1994.
AMERICAN PSYCHIATRIC PUBLISHING. Textbook of child and adolescent psychiatry, 3. ed., Washington, D.C.; American Psychiatric Publishing, 2004.
KAPLAN, H.I.; SADOCK, B.J.; GREBB, J.A. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica; 7. ed., Porto Alegre: Artmed, 1997.
Pfeiffer L, Salvagni EP. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência. J pediatr 2005;81(5Supl):S197-S204.
STUBBE, D. Child and Adolescent Psychiatry: a practical guide. 1st edition, Philadelphia, PA, Lippincott Williams & Wilkins, 2007.
*Dr. Gustavo Teixeira, M.D. M.Ed.
Professor Visitante do Department of Special Education - Bridgewater State University
Mestre em Educação - Framingham State University
Curso de extensão em Psicofarmacologia da Infância - Harvard Medical School
Pós-graduado em Psiquiatria - UFRJ
Pós-graduado em Dependência Química - UNIFESP
Pós-graduado em Saúde Mental e Desenvolvimento Infantil - SCMRJ